Centenária, história da árvore símbolo de Piracicaba foi revelada quase 80 anos após ser plantada
Publicado em: 29 de novembro de 2018
Sapucaia foi plantada para celebrar o fim da 1ª Guerra Mundial em 1918; a história foi revelada pela neta do italiano que a plantou, em um jornal do bairro Alto em 1996.
Por Samantha Silva, G1 Piracicaba e Região
17/11/2018 12h42 Atualizado há uma semana
Valdiza Maria Caprânico espalha as publicações amareladas na mesa que contam a história da Sapucaia. A árvore símbolo da paz de Piracicaba (SP) completa 100 anos em 2018 e sua permanência reflete as mudanças que a cidade passou no entorno sem perder a tradição. A presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba (IHGP) é neta do italiano que plantou a semente da árvore, e acabou se tornando a guardiã de uma história que, por pouco, poderia nunca ter sido conhecida.
Árvore símbolo de Piracicaba, a Sapucaia fica em esquina do bairro Alto — Foto: Samantha Silva/G1
Acontece que até 1996 ninguém sabia sobre a Sapucaia em Piracicaba. Até mesmo os descendentes de Caprânico levaram algumas décadas para saber da história. Valdiza conta que um dia, um pouco antes de 96, estava dando carona para o tio mais velho e, quando passaram pela árvore, ele comentou: “sabe que eu e o papai que plantamos essa Sapucaia?”.
“Parei o carro na hora”, lembra Valdiza. “Eu disse: ‘conta essa história’. E ele: ‘[a gente plantou] no dia que acabou a guerra’. Papai quis plantar pra homenagear a paz. E aí pra nós ficou ‘a árvore da paz’.”
A imagem abaixo foi tirada no dia em que Valdiza ouviu a história da Sapucaia pelo tio e quis tirar uma foto dele ao lado da árvore. Algum tempo depois, ela contou a história pela primeira vez em uma poesia e enviou o texto com a foto do tio para a prefeitura. Ao ser solicitada para escrever um artigo no jornal do bairro Alto, onde morava na época e fica a Sapucaia, ela resolveu contar sobre a árvore e foi assim que ela se tornou um ícone na cidade.
Poema citando pela primeira vez história da árvore; na foto, tio de Valdiza que estava ao lado do pai no plantio da Sapucaia — Foto: Samantha Silva/G1
“Era, na verdade, uma história da família. Aí eu, como sou escritora, escrevi num jornal do bairro, a Gazeta do Kerko. Aí, quando saiu no jornal, todo mundo falou: ‘nossa, mas será que é?’. Aí nós chamamos um professor da Esalq, que foi lá pra conferir a idade da árvore. Aí com aparelhagem ele conseguiu confirmar isso, que ela tinha quase 100 anos.”
Logo depois de divulgada a história, foi fundada a Associação da Sapucaia por um grupo de moradores e o primeiro evento foi iluminar a árvore com luzes de Natal. Uma festa inaugurou a decoração e o simbolismo da árvore para a cidade. “Depois da associação veio a banda, e depois veio o carnaval [da Sapucaia]”, completa Valdiza, antes de recontar a história do avô.
Valdiza mostra a foto do avô Antonio Caprânico quando ele tinha 19 anos, ainda na Itália. De família nobre, ele casou-se no Vaticano com a avó de Valdiza, segundo conta-se na família.
Caprânico pisou no Brasil pela primeira vez em 1900, recém-casado, para passar a lua de mel na terra paradisíaca, como já se ouvia falar do país na Itália.
Valdiza com a foto do avô, Antonio Caprânico, que plantou a Sapucaia de Piracicaba — Foto: Samantha Silva/G1
“Quando ele chegou a Piracicaba pra ver os amigos, se encantou com a cidade. Aí ele escreveu pro pai, que é meu bisavô, pedindo pra mandar dinheiro que ele queria se estabelecer no Brasil. Meu avô mandou, ele comprou a casa, onde eles moraram muito tempo, e a fazenda também. E foi assim, ele não veio como imigrante, ele veio passear”, conta Valdiza.
A 1ª Guerra Mundial teve início em 1914 e, até seu fim, em 1918, Caprânico não teve muito contato com a família que ficou na Itália. O fim do conflito trouxe um alívio após anos de incerteza.
“Ele vivia muito nervoso, pensando na família que tinha ficado na Itália. Tanto que quando ele ouviu falar que acabou a guerra, ele estava na fazenda que eles tinham entre São Pedro (SP) e Rio Claro (SP), que hoje é Ipeúna (SP), e aí ele pegou as mudas de árvores, pegou meu tio, que a na época tinha uns 12 anos, e vieram da fazenda até aqui [no bairro Alto] fazendo o plantio”, relata a neta. Caprânico morreu jovem, com pouco mais de 50 anos, deixando a mulher e nove filhos.
Artigo de jornal do bairro Alto onde Valdiza contou história da Sapucaia de Piracicaba — Foto: Samantha Silva/G1
Da história que foi passada pra ela, conta-se que de todas as sementes plantadas no caminho entre a fazenda e a casa da família na cidade, somente a da Avenida Independência com a Rua Moraes Barros resistiu. No local onde ela foi plantada havia um bosque na época, bem acima da casa da família.
Muitos anos depois, a área verde deu lugar ao Estádio Barão de Serra Negra. “Não sabemos por que, nenhuma árvore sobreviveu, só essa”, reflete Valdiza.
Algumas poucas imagens que se tem na época do bosque estão no livro do servidor aposentado Luiz Nascimento, que conta a história do bairro Alto. Ele cresceu brincando em volta da Sapucaia e tem na memória os detalhes de como era a cidade ao redor da árvore.
“Aquele bosque era uma beleza. Brincava de esconde-esconde quando tinhas uns 7 anos. Perto do muro do cemitério, tinha um bambuzal e era lá que a gente se reunia. A Avenida Independência era terra. Meu avô foi funcionário da prefeitura e foi guarda no bosque”, conta.
Luiz Nascimento escreveu livro com história do bairro Alto e imagens antigas do bosque em Piracicaba — Foto: Samantha Silva/G1
Do alto das árvores do bosque, inclusive da Sapucaia, ele via a boiada passar pelo trecho. Sempre morou no bairro, na Rua Moraes Barros.
Coincidência ou não, Valdiza se formou paisagista e passou a vida plantando árvores. Inclusive, na época da revelação da história, trabalhava com um projeto de arborização urbana. A família, também, morou por muitos anos no bairro Alto.
Os dois se admiram de nunca terem cortado a árvore, já que ninguém nunca soube da história até poucas décadas atrás e nada do bosque sobrou além da Sapucaia. Talvez, o que ela representa seja um sinal de que o tempo passa, mas os símbolos permanecem pelo sentido que contêm.
“Pela mensagem que ela traz”, comenta Valdiza. “Porque a paz é um negócio muito sério, hoje é mais até. Então ficou a Sapucaia da paz.”
Livro com história do bairro alto mostra bosque que 'acompanhava' a Sapucaia de Piracicaba — Foto: Samantha Silva/G1
A árvore-símbolo da cidade mede aproximadamente 12 metros de altura e 4,80 metros de circunferência, segundo a prefeitura. Em 12 de novembro de 2004, por meio do Decreto nº 10.935, a Sapucaia foi tombada como Patrimônio Histórico e Cultural. Em 2009, pelo decreto 13.354, tornou-se imune ao corte.
A Sapucaia é constantemente acompanhada pelos técnicos da Secretaria Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Sedema), que realizam vistorias periódicas, podas e exames, como ultrassonografia, para manter a saúde e beleza da árvore.
Valdiza e Luiz contam a história da Sapucaia do bairro Alto, que virou árvore símbolo de Piracicaba — Foto: Samantha Silva/G1
Para celebrar o centenário da Sapucaia, foram plantadas cinco novas sapucaias no Centro Esportivo do Bairro Cecap, na Praça Coronel Antônio Bruno; no Parque Santa Teresinha, no bairro Campestre, no Parque Monte Líbano e na Chácara Nazareth.
Publicado por: Câmara
Cadastre-se e receba notícias em seu email